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2012-06-02

A teoria de Gaia (parte I)

Blue Marble
Na década de 70 James Lovelock, em colaboração com Lynn Margulis, avançou com uma ideia revolucionára: a hipótese de Gaia que lança um novo olhar sobre a vida na Terra. Esta hipótese surgiu na sequência de um pedido da NASA ao referido cientista, para conceber um método capaz de proceder à detecção remota de vida em Marte. A ideia era conceber um projeto que, eventualmente, envolvesse um dispositivo que pudesse ser transportado até ao planeta ou às suas imediações e aí fosse capaz de capturar informação que permitia inferir acerca da possível existência de vida em Marte. Lovelock, contudo, optou por abordar o problema a partir de outro ângulo. Sem sair da Terra poderia usar a informação sobre a composição química da atmosfera marciana para chegar a tal conclusão. O ar de um planeta sem vida, em virtude de se encontrar há milhões de anos sem grandes alterações deve estar próximo do equilíbrio químico. Na atmosfera de um planeta como a Terra, onde a vida prospera, isso não acontece porque, diariamente, são produzidos e consumidos novos gases capazes de reagirem quimicamente entre si.

James Lovelock (1919 — )
Num estado de equilíbrio químico não existem substâncias capazes de reagir entre si; este é um dos princípios básicos da química moderna e está patente em muitas reações do nosso quotidiano. Suponhamos a seguinte situação: A susbtancia (A) é o principal componente da atmosfera de um planeta que está estável há já alguns milhões de anos. Se a substância (B) for capaz de reagir com a susbtância (A) então, se houver uma concentração desta substância naquela atmosfera é porque ela tem de ser reposta a uma taxa contínua; se tal não acontecesse a substância (B) simplesmente reagiria com a (A) que se encontra em muito maior quantidade na atmosfera e deixariam de ser encontrados sequer vestígios de (B). Num planeta do sistema solar, em que a atividade catastrófica já cessou há milhões de anos, o mais provável é que seja a vida pela reposição das concentrações da substância (B) se esta existir na atmosfera em concentrações constantes e estáveis.
 Este método simples, rápido e económico, não foi bem aceite por parte dos seus colegas de laboratório nem das chefias da NASA. Aceitar este método seria, antes de mais, vetar ao fracasso a construção de processos mais morosos de investigação acerca da possibilidade de vida extraterrestre e consequentemente ao desinvestimento no projeto e ao seu eventual encerramento. Lovelock acabou por abandonar a missão — são assim os bastidores da ciência — mas não a ideia.
Lyn Margulis (1938 — 2011)
Se compararmos as composições químicas das atmosferas de Marte, de Vénus e da Terra observamos que esta última é a única que contém, simultaneamente, gases oxidantes como o oxigénio (O2) e redutores como o metano (CH4) ou o hidrogénio (H2) que rapidamente reagem entre si. Na verdade na atmosfera terrestre até o azoto (N2), usualmente considerando um gás inerte, constitui uma estranheza química na sua coexistência com o oxigénio. Tendo em conta a idade da Terra, estes dois gases já teriam reagido entre si originando diversos óxidos de azoto.
Se analisarmos a atmosfera de Marte observamos que na sua composição abunda o dióxido de carbono (CO2), muito pouco oxigénio, um pouco de azoto e um pouco de árgon, um gás do 18.º grupo da tabela periódica, sobejamente conhecido pela sua inércia química. Na atmosfera venusiana encontramos sobretudo dióxido de carbono e, em muito menor quantidade, azoto e árgon.
A Tabela seguinte ilustra o que acabámos de dizer. O único planeta onde coexistem gases oxidantes e redutores é a Terra. Estando os oxidantes em excesso, o metano e o hidrogénio da atmosfera terrestre estão constantemente a reagir com o oxigénio e a sua concentração mantém-se constante apenas porque formas de vida diversas os produzem e lançam para a atmosfera. 
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Neste contexto, Lovelock argumenta que, a única explicação para a existência de tão peculiar atmosfera é a presença de vida na Terra. A coexistência na atmosfera de gases redutores como o metano deve-se à actividade de inúmeros microrganismos anaeróbios que habitam nos sítios mais recônditos de Gaia como os pântanos lodosos ou os intestinos dos mamíferos — estes últimos causam grande preocupção ecológica como denota a mensagem Devour the Earth — a urgência de nos tornarmos vegetarianos de 25 de maio de 2012. Estes microrganismos, com a sua actividade biológica, repõem na atmosfera diariamente uma quantidade de metano idêntica à que reagiu com o oxigénio molecular aí existente. Assim, vemos surgir o primeiro indício da existência de Gaia um sistema aberto com elevados índices de organização, longe do expectável equilíbrio químico e que, com recurso a uma fonte de energia exterior (o Sol), é capaz de se manter e prosperar.
(continua...)

Créditos
Fotos: Wikimedia Commons

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