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2012-06-29

Século XXI: Que educação? Que escola?

Green School,Bali Indonésia(clica para aumentar)
Texto (adaptado) que publiquei na revista Água e Cultura (Jan.2007)
A ciência moderna impregnou-se nos sistemas de ensino construindo mundividências materialistas, segmentadas, e reificadas de uma realidade, supostamente, distante e independente do observador que a estuda. Estas perspetivas, tendo por base as ópticas empiro-positivistas de Comte e Bacon e o racionalismo cartesiano, pressupõem a possibilidade de conhecer, objetivamente, o mundo natural e têm por propósito o seu controlo e domínio. Em oposição a esta forma de olhar, no século XX, pela mão de diversos filósofos da ciência, entre os quais se contam Popper, Kuhn e Feyerabend, surgem epistemologias de índole construtivista que questionam a natureza da indagação e do conhecimento produzido pela ciência. Em resultado da instalação da dúvida de que a ciência seja uma epifania do real, começam ouvir-se vozes que reclamam da empresa científica não o domínio, mas antes a harmonia do mundo humano com o mundo não humano. Emerge uma perspetiva ecocêntrica de ciência onde esta assume o propósito compreender o mundo para (re)construir sociedades que adotem e mimetizem os processos cíclicos da natureza em detrimento dos processos lineares, com baixos rendimentos e produtores de grandes quantidades de resíduos, caraterísticos da antropocêntrica ciência moderna.
Os movimentos ambientalistas e ecológicos não estão isentos de responsabilidade na promoção desta mudança de paradigma que é tão urgente quanto imprescindível. O forte incentivo dado por estes setores da sociedade aos aspetos mais inovadores do paradigma epistémico ecocêntrico, constituem um impulso fundamental à divulgação e reflexão neste novo modelo. Analisemos então algumas características da ciência ecocêntrica por oposição à sua predecessora a ciência antropocêntrica.
A ciência ecocêntrica, por oposição à inspiração mercantilista da ciência antropocêntrica, assume características promotoras da inclusão social e ecológica da humanidade enquanto espécie, mas também dos seus espécimes. Procura compreender o todo de forma sistémica e holística, abordando os problemas a partir da sua complexidade e assumindo a importância, mas também, a insuficiência da perspetiva analítica e redutora da ciência moderna. No paradigma ecocêntrico, o determinismo, o mecanicismo, e o comportamentalismo da modernidade são abandonados a favor de uma perspetiva que assume a incerteza e se mostra, simultaneamente, interpretativa e crítica, reconhecendo o conhecimento como uma realidade socialmente construída. Salientamos o caráter dialógico e dialético da ciência ecocêntrica que promove a comunicação entre saberes tradicionalmente considerados como científicos e saberes que a ciência moderna, perante a sua visão disciplinarizada e com forte preocupações normativas em relação à cientificidade, remeteu para as prateleiras das crenças e superstições. É neste cosmopolitismo epistémico que a ciência ecocêntrica inicia diálogos com outras áreas do conhecimento como as etnociências (conhecimentos de etnias e culturas tradicionais) ou com as filosofias orientais como é o caso do diálogo estabelecido entre a tradição budista e cientistas ocidentais provenientes de áreas do conhecimento tão diversas como a física, a psicologia ou as neurociências.
E a escola? Que esforço tem feito para se manter a par destas novas relações da humanidade com os saberes? Apesar de sentirmos empenho por parte dos movimentos ecológicos e de alguns cientistas da educação, parece-nos que os resultados estão muito aquém do desejado e do necessário. A estrutura espartilhada e disciplinarizada dos saberes, que caracteriza o nosso modelo escolar criado no século XIX, associada a uma cultura da competitividade fazem com que a escola se afaste cada vez mais dos propósitos de educar para a ecologia e para a sustentabilidade. É difícil desenvolver uma ecoliteracia e uma consciência social de elevado nível num contexto competitivo, elitista e exclusivista como o da escola portuguesa; testemunhado, de resto, pelas estatísticas do insucesso académico e do abandono escolar em Portugal. Esta situação agrava-se quando nos apercebemos das concepções modernas que alguns professores manifestam acerca conhecimento científico e das perspectivas ingénuas e antropocêntricas da sustentabilidade que estes apropriaram. Só assim podemos compreender que a educação ecológica surja, aos olhos de alguns docentes, como mais uma sobrecarga, aos já pesados currículos nacionais. Numa atitude de incompreensível adormecimento pedagógico continuamos a formar especialistas analíticos que não possuem qualquer noção realista da situação global. Como afirma Boaventura de Sousa Santos, estamos a formar ignorantes especializados.
David Orr, adverte-nos que “toda a educação é educação ambiental” nem que seja pela ausência. Quando ensinamos física, economia, ou qualquer outra área do conhecimento (científico) e não fazemos a ligação destes saberes ao estado atual do mundo estamos a passar a mensagem de que não existe qualquer relação entre os conhecimentos. Urge então educar para a ecologia global, mas não apenas os jovens estudantes. Uma linha de atuação fundamental consiste na reciclagem conceptual que a sociedade portuguesa tem de fazer e os professores deverão sentar-se na fila da frente. Só mudando as conceções dos agentes educativos se consegue uma educação e uma escola que assumam, definitivamente, contornos ecológicos.

Créditos
Foto: Green School,Bali Indonésia, por 350.org (Flickr)

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