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2012-11-10

A engrenagem.

A discussão sobre o veganismo e seus benefícios ao meio ambiente e ao futuro é extensa e muito mais complexa do que simplesmente parar de comer carne. Envolve a diminuição da poluição atmosférica, a preservação de recursos vegetais e hídricos, e muitas outras questões.
Numa linguagem descontraída, o filme tem a participação voluntária da modelo e apresentadora Ellen Jabour e do ator Eduardo Pires, ambos vegetarianos, e tem o objetivo de alertar e levantar algumas questões como "Você já se perguntou de onde vem nossa comida? Quais os impactos que ela nos traz? A Engrenagem responde. "



2012-11-04

PANdebate com Steve Best (legendado em pt_PT)

No âmbito do 6º PANdebate, que teve lugar no Porto, no dia 21 de Setembro de 2012, o filósofo e activista norte-americano Steve Best apresentou a sua intervenção intitulada "Tudo o que sabe sobre o Homo sapiens está errado: descentrar/recentrar a identidade humana e as implicações revolucionárias da Etologia Cognitiva".


2012-09-05

Crestomatia do disparate

Para quê contra argumentar perante os tesourinhos deprimentes que são os silogismos marialvas. 
Este foi o senhor que investiu o cavalo na direção dos manifestantes anti-taurinos presentes junto à praça de touros que foi montada na Torreira.
Depois de ouvir este (silogismo) permito-me estabelecer um outro de qualidade idêntica: Torturar cavalos e touros destrói quantidades massivas de neurónios; se assim não fosse este senhor saberia o valor do silêncio.



2012-08-29

Salvem os manatís — um vintage

Os brasileiros chamam-lhe peixe-boi, mas internacionalmente ficaram conhecidos por manatís (manatees em inglês), termo que tem origem na língua pré-colombiana dos caribenhos Taínos e que significa peito. Os manatís são mamíferos aquáticos do género Trichechus que se distribuem por quatro espécies diferentes: T. inuguis que habita nas águas da floresta amazónia, T. manatus que vive nas águas da Índia ocidental e o manatí africano T. senegalensis, habitante das florestas húmidas da África ocidental.
Os manatís preferem águas doces, mas podem ser encontrados junto a estuários e mesmo no mar junto à costa, ainda que com menos frequência. Especula-se sobre a existência de uma quarta espécie, o manatí anão — Trichechus pygmaeus — endémico dos rios da floresta amazóica, mas não existem certezas científicas quanto à sua existência. Os parente vivos mais próximos dos manatís são os elefantes.
Os dois cartoons seguintes foram elaborados por Gina Harman em 1998 e fazem parte de uma campanha que visa alertar o público para a necessidade de conservar estas espécies. As principais ameaças à sua extinção são a perda de habitat devido à ocupação humana e as mortes causadas diretamente pela ação humana através da caça e de acidentes como o ilustrado no primeiro dos dois cartoons.

Para saber mais sobre esta campanha visita o website savethemanatee.org.




Créditos
Cartoons: Disponíveis em www.velvetgreencreations.com/index.php?page=Environmental_Cartoons 

2012-08-25

Manducare (trailer)

Conseguimos nós, ver para além do que está no prato? 

Vegan, Vegetariano, Omnívoro e Dieta do Tipo Sanguíneo... Quatro pessoas com estilos de vida diferentes mas com um objectivo em comum -- o bem comum. MANDUCARE é comer em latim e não é por acaso que se fala em regressão, numa altura em que evolução causa tantas questões globais. A forma em que como o Homem se afastou da natureza, a influência que tem na sustentabilidade da Terra aquilo que comemos, são algumas dessas questões, abordadas neste filme documental.




2012-08-20

Fadjen — testemunho da verdadeira relação entre touros e humanos

Fadjen é um touro bravo de um ganadeiro espanhol que Pablo Knudsen, ativista francês, salvou do destino cruel que lhe estava destinado.
O primeiro filme mostra Fadjen num momento de partilha de afetos com Pablo. No segundo, Pablo Knudsen conta-nos como ele e Fadjen se tornaram bons amigos.
Se quiser conhecer melhor Fadjen visite o canal youtube Fadjen taureau anti corrida (Fadjen, touro anti touradas).




2012-08-18

Todos com VIANA

Domingo, 19 de Agosto - 11 horas
Jardim da Marina
Viana do Castelo


Um grupo alargado de Associações/Movimentos e cidadãos portugueses vão concentrar-se pacificamente no próximo Domingo dia 19 entre as 11h00 e as 14h00, junto à Marina na cidade de Viana do Castelo demonstrando publicamente o seu apoio ao município e à população local, que em 2009 decidiu rejeitar a realização de touradas.

Esta decisão representa uma vontade social inequívoca que defende uma evolução natural da sociedade portuguesa, abolindo este tipo de espectáculos.

O reconhecimento por parte dos municípios portugueses do princípio de não-violência e existência livre de sofrimento injustificado dos animais neste tipo de espectáculos, revela-se fundamental para a consagração do novo paradigma civilizacional de uma sociedade mais ética e justa em respeito pelos direitos dos animais.

Já em 1869 na Câmara dos Deputados, Joaquim Alves Mateus, referia a propósito das touradas: "Não se avalia a civilização de um povo somente pela natureza das suas instituições políticas, pelo maior ou menor adiantamento da sua industria, pelo numero e perfeição de seus melhoramentos; patenteia-se e aquilata-se ela também e principalmente pela qualidade da sua índole, pelo estado dos seus costumes, e até pela preferência que ele dá a certos espectáculos e divertimentos".

Neste sentido apelamos à participação de todos neste momento simbólico e importante na história da abolição da tauromaquia em Portugal!

Pessoalmente apoio esta concentração e apelo a todos os leitores deste blogue que compareçam, assim como todos aqueles que defendem um país livre de violência contra os mais fracos.

Divulguem o mais possível!

2012-08-08

Valor intrínseco e economia: Da perceção da crise à crise da perceção

Artigo de opinião, da minha autoria, publicado no sítio do PAN a 3 de Agosto de 2012.

Opening the door [of perception]
A crise tem sido um dos temas da ordem do dia nos anos mais recentes. Saber que o seu desenvolvimento se deu num contexto em que os governos e os estados-nação perdem poder face aos interesses unilaterais e ditatoriais dos mercados conduz-nos ao questionamento da origem da crise. Se a reflexão sobre as soluções para sair da crise económica é pertinente e inadiável, a compreensão do que está na sua origem poderá ser um forte impulso no desenho dessas soluções.
Contudo, para compreender as origens da crise teremos de discutir a mundividência que está subjacente às sociedades globalizadas onde esta se instala e desenvolve. Esta forma particular de olhar o mundo tem as suas raízes na modernidade europeia e acentua-se com o surgimento e o desenvolvimento da Revolução Industrial. Associada às visões mecanicistas da ciência suportadas pela física newtoniana e pelo racionalismo cartesiano, a modernidade olha o mundo como um mecanismo onde é possível, conhecendo os valores das variáveis do estado inicial, prever estados futuros concretos e objetivos. A única incerteza que daqui advém deve-se à falta de rigor dos instrumentos de medida, nunca a comportamentos inesperados do sistema ou à impossibilidade de os modelos teóricos contemplarem todas as variáveis em jogo. Os modelos teóricos são tidos como uma leitura objetiva e inequívoca do real.
A adicionar a este universo mecânico surge a interpretação enviesada das teorias evolucionistas propostas por Charles Darwin no século XIX. A ideia de sobrevivência do mais apto acaba por se transformar na sobrevivência do mais forte e institucionaliza a competição como forma de organização social. No paradigma competitivo desenvolve-se uma ideia bélica do mundo onde, não existindo outras alternativas, é preferível comer a ser comido. A competitividade assume formas múltiplas no contexto da organização social e, no século XIX, torna-se o sustento do sistema capitalista que assola o sistema económico global. A competitividade começa na escola, onde os alunos são encorajados a competir pelas melhores notas para conseguirem lugares nas melhores universidades, que lhes fornecerão as melhores ferramentas para serem mais competitivos e conseguirem sucesso no desempenho das suas funções profissionais; a centralidade é sempre colocada no indivíduo e as ferramentas de que ele se apropria ao longo da sua vida académica destinam-se a torná-lo mais forte na competição com os seus pares, tornando a sociedade onde se insere mais forte que as restantes sociedades e culturas. O isomorfismo de ideias entre a organização do mundo não-humano e do mundo humano é bem evidente. No mundo não-humano o senso comum vê apenas o leão que persegue a gazela, os abutres que disputam o melhor pedaço da carcaça ou o macho mais forte a conseguir copular com um maior número de fêmeas e a deixar os seus genes a um maior número de descendentes que os seus rivais. Talvez a ideia isomórfica que mais contaminou o senso comum seja a da “selva urbana” ou “selva de betão”, que confere um significado de ambiente hostil e competitivo às comunidades urbanas e usa o termo “selva” em analogia com o ambiente da selva original.
O paradigma competitivo, em que as sociedades globalizadas operam, vê o mundo não-humano como um local imperfeito, pouco eficiente, que é preciso arranjar e gerir de forma a melhorar a sua eficiência, do ponto de vista humano; a tecnociência é o instrumento que permite tal correção. A metáfora da batalha e da luta faz-se sentir um pouco em todas as áreas dos saberes e manifestações sociais. Se olharmos para a medicina, por exemplo, a doença é vista como um mal a combater, um inimigo que põe em causa os nossos interesses. Não estou a colocar em causa a necessidade de tratamento e cura em caso de doença; o que questiono é a perspetiva bélica subjacente ao conceito de doença. Noutros contextos culturais, menos colonizados pela perspetiva da ciência moderna, em particular nas mundividências orientais tradicionais, a doença não é vista como um mal a combater, mas como uma desarmonia de um corpo que necessita de re-encontrar o equilíbrio.
Outra perceção comum no contexto das sociedades globalizadas e organizadas em torno das ideias da modernidade é a de que o planeta e os recursos naturais são infinitos. As sociedades da globalização vivem na ilusão do crescimento económico infindável num planeta finito e com recursos finitos. Para manter as estruturas económicas a funcionar precisamos de taxas de crescimento elevadas (na ordem dos 5% ao ano), o que conduz ao incremento do consumo dos recursos naturais, a maioria dos quais não renováveis, e por isso finitos, como é o caso dos combustíveis fósseis e dos metais.
As perceções que acabei de referir, ainda que profundamente disseminadas, são não só enviesadas por um contexto cultural muito específico como criticadas e refutadas pelas visões mais atuais da ciência. O planeta é finito e muitos dos recursos que usamos não são renováveis. E não, a selva não é um local onde a selvajaria e a competição imperam; na verdade, sobressaem as relações de simbiose, com forte primazia dos organismos e do ecossistema. Uma selva (ou floresta, se se preferir) é um complexo ecossistema resiliente que sobrevive devido às relações simbióticas de partilha entre as diferentes espécies; de forma idêntica, um organismo é o habitat de inúmeras espécies sem as quais ele não poderia sobreviver.
Por que razão estamos a abordar estes assuntos no contexto de um artigo sobre economia? A questão é que os discursos sociais instalados (hegemónicos) constroem a realidade onde se desenrolam os acontecimentos sociais. Serão decerto diferentes as sociedades onde se olha o mundo não-humano como uma extensão da própria humanidade com valor intrínseco ou onde este é visto como um mero recurso a explorar. É neste contexto que me proponho discutir a validade do discurso hegemónico que constrói as mundividências de senso comum e as suas consequências na organização social e económica.
Como já referi, o conhecimento que ao longo do século XX a humanidade obteve sobre o planeta e o universo refuta as perspetivas — com raízes nas tradições judaico-cristãs e sustentadas pelas teorias da ciência moderna — de que a humanidade é essencialmente diferente das outras espécies e da possibilidade de domínio do mundo não-humano por via do saber científico e da tecnologia. A ciência hodierna recusa a leitura positivista da modernidade e reconhece o caráter hermenêutico dos saberes que produz, a incerteza das previsões que faz e, consequentemente, a impossibilidade de controlo do sistema Terra; compreende a complexidade do sistema global e a imprevisibilidade das consequências que uma perturbação pode gerar.
A perceção tradicional, subjacente à cultura das sociedades atuais colonizadas pelo positivismo da modernidade europeia, denota uma das múltiplas facetas da crise de perceção. O discurso hegemónico teima, por via dos discursos políticos veiculados (propagandeados?) pelos mass media, em perpetuar a cultura positivista que valoriza o expertise e desvaloriza a participação democrática e a construção de propostas e soluções participativas e colaborativas. A valorização do expertise assenta na presunção da legitimidade dos pressupostos metodológicos subjacentes à construção do conhecimento científico e, consequentemente, à certeza (também esta positivista) dos conhecimentos assim produzidos como sendo uma leitura objetiva e vinculativa do real. Deste modo, e tocando no tema central desta reflexão, a crise económica só pode ser interpretada e explicada por peritos que frequentemente pululam (poluem?) em programas de televisão fornecendo verdadeiras lavagens cerebrais ao cidadão menos crítico.
Farei aqui uma pausa para sintetizar as perceções em crise que já discuti e as que irei discutir adiante. Assim, as diferentes crises de perceção que identifiquei até aqui são: (1) crise de perceção da natureza organizativa do mundo não-humano através da sobrevalorização das relações de competitividade e da desvalorização das relações simbióticas; (2) crise de perceção das relações sociais que resulta da aplicação de um isomorfismo da perceção do mundo não-humano ao mundo humano valorizando em consequência a competitividade em detrimento da colaboração; (3) crise de perceção da natureza da principal instituição produtora de conhecimento — a ciência —, que é vista como construtora de uma leitura fidedigna e objetiva do real. Falta discutir as consequências destes enviesamentos na perceção da organização económica e as suas implicações para o mundo humano e não-humano e para as propostas de solução da crise.
O que disse até aqui permite, certamente, concluir que o conhecimento e a mundividência que temos do mundo, longe de serem uma epifania do real, são poderosos instrumentos de construção da realidade; não num qualquer sentido místico de uma ideia pueril do poder da mente, mas porque as ações que tenho no mundo são pensadas e materializadas em dependência da forma como concebo esse mesmo mundo, validando, em retorno cíclico, essa conceção. Se abordarmos um nosso semelhante com a perceção de que ele é nosso inimigo, ele responderá de forma similar, confirmando a nossa perceção e contribuindo para a convicção de que estávamos corretos na assunção que fizemos; da mesma forma, os sistemas naturais respondem (ou a perceção que construímos das suas respostas) de acordo com a mundividência subjacente à nossa ação.
O paradigma de exploração em que nos encontramos, um paradigma que confunde o mundo natural com os recursos que aí encontramos, os animais com coisas que podemos explorar sem respeito pelos seus interesses e bem-estar e as pessoas com a sua produtividade, só pode existir num contexto de atribuição de valor utilitarista e de negação de valor intrínseco à natureza e à sociedade. Mesmo o próprio humano perde o fim em si que Kant lhe reconhecera e é instrumentalizado num processo mecânico e insensível de melhoria da sua produtividade a qualquer preço.
Esta visão utilitarista de humanos e não-humanos só pode ser negada através do reconhecimento de valor intrínseco da pessoa humana e dos animais, tendo em conta a sua senciência, e do mundo não-humano, tendo em conta a sua singularidade; ou, numa linguagem PAN, a Pessoas, Animais e Natureza é reconhecido valor intrínseco independente do seu valor utilitário. Não se iluda o leitor: não estamos a defender que os humanos não tem o direito de usar os recursos naturais; isso seria negar a sua própria condição de ser vivo, dado que todos os seres vivos utilizam os recursos disponíveis à sua volta. O que se questiona aqui é o direito (e a necessidade) de apropriação (e destruição) desses recursos. A humanidade, no contexto da mundividência fragmentária ocidental, é a única espécie que se considera como proprietária do mundo não-humano e se vê no direito de desalojar, extinguir e destruir ecossistemas inteiros para satisfazer necessidades de uma minoria da população mundial, necessidades que estão muito longe de ser necessidades básicas.
As palavras “economia” e “ecologia” têm em comum o prefixo eco- e a sua raiz é a palavra grega οἶκος (transliterada como oikos), que significa “casa” ou, de forma mais abrangente, “o lugar onde se vive”. Já os sufixos distintos nas duas palavras denotam significados diferentes: o νόμος (translit.: nomos) da primeira significa “gestão, distribuição ou administração” e o λόγος (translit.: logos) da segunda significa “estudo de”. Seria com certeza ingénuo da minha parte reclamar que o logos da oikos deve antecipar o nomos; a ciência não antecipa a tecnologia; ambas se desenvolvem numa cumplicidade que logra qualquer tentativa de estabelecer artificialmente fronteiras nítidas. Do ponto de vista epistemológico, o processo de administração (interação entre o aprendente e o objeto aprendido) é também um processo de estudo e aprendizagem acerca da coisa administrada; contudo, mais do que ingénuo, é insensato proceder ao logos da oikos ignorando o nomos que dela foi feito. Apesar da insensatez e dos seus resultados estarem à vista de todos, é o que continuamos a fazer.
O sistema capitalista não reconhece qualquer valor intrínseco ao mundo humano e não-humano. O seu principal (e único) objetivo é, através do uso do dinheiro (polidamente chamado “capital”), produzir mais dinheiro que deverá ser distribuído de uma forma supostamente naturalista — aquele que for mais competitivo consegue uma maior fatia do bolo por direito natural. Este princípio absurdo e sustentado numa mundividência enviesada foi agravado com a implementação do neoliberalismo dos anos 80 e 90 do século XX, inspirado na Escola Económica de Chicago e liderado por Margaret Thatcher no Reino Unido, Ronald Reagan nos EUA e Cavaco Silva em Portugal. O capitalismo agressivo e predatório, que há mais de um século tem vindo a estender os seus braços e a apoderar-se das economias mundiais, não é um sistema económico (porque não visa a gestão e distribuição da oikos) mas um sistema crematístico porque visa a acumulação ávida de riqueza. A palavra “crematística”, à semelhança da “economia” e da “ecologia”, também tem a sua origem na sociedade grega clássica. Foi usada por Aristóteles no tratado Ética a Nicómaco, sendo bem clara a distinção entre a crematística e a economia; enquanto a segunda visa uma desejável gestão e distribuição da riqueza, a primeira denota a condenável acumulação de bens pelo prazer único de os possuir. Se olharmos para aquilo a que chamamos “sistema económico mundial” facilmente compreendemos que lhe deveríamos chamar “sistema crematístico mundial” e, na sequência desta ideia, trocar o nome de cursos, escolas e faculdades de “economia” para “crematística”.
As soluções que até agora têm sido avançadas para a resolução da crise, por continuarem dominadas pelo paradigma fragmentado da modernidade europeia, oferecem somente mais do mesmo. São vários os exemplos que sustentam esta ideia, a começar pelas medidas de austeridade que os sucessivos governos do PS e PSD, impulsionados pelas exigências do Fundo Monetário Internacional e da União Europeia (França e Alemanha?!), passando pelos resgates a entidades financeiras como o BPN, até às irresponsáveis propostas da chanceler alemã Angela Merkel de tornar os países devedores numa espécie de off-shores dos direitos humanos e da proteção ambiental. Tais propostas sustentam-se na valorização única e exclusiva do capital enquanto fim em si; por outras palavras, perpetuam a lógica do sistema crematístico ao invés da gestão e distribuição justa da riqueza criada, que deveria ser feita pelo sistema económico. A última medida que referi é um exemplo particularmente pertinente desta situação; ignorar a necessidade de gerar um ambiente saudável e de bem-estar das pessoas não é uma medida de resolução de problemas, é uma medida de adiamento da resolução de problemas. Não é possível converter bem-estar de pessoas, animais e natureza em rendimentos de capital porque uma vida humana destruída, um animal condenado à escravatura ou as emissões de gases com efeito de estufa não podem ser recuperados através de investimentos financeiros mesmo que carreguem o rótulo verde.
A crise só pode ser resolvida através da construção de uma perceção holística do mundo, uma perceção que privilegie a compreensão da complexidade das relações humanas internas e externas e que se sustente nelas para administrar a riqueza gerada e que construa um sistema económico sustentado nos saberes da ecologia, não enquanto cânone de conhecimentos de uma disciplina científica, mas como forma de pensar o mundo.
A primeira mudança que necessitamos de fazer é reconhecer o caráter metafórico, representativo e, consequentemente, histórico das nossas mundividências. Um paradigma não fornece, como já tive oportunidade de sublinhar, um conhecimento objetivo e direto do real; um paradigma constrói um conjunto de perceções subjetivas (com uma história) e culturalmente situadas partilhadas por um número alargado de indivíduos. Quão absurdo seria pensarmos que o geocentrismo tinha sido uma verdade até ao século XV, então substituída pelo que viria a ficar conhecido como o paradigma newtoniano, que, no início do século XX, viria a ser substituído pela teoria da relatividade e pela mecânica quântica. Será com certeza mais sensato encarar estas teorias científicas como perceções histórica e culturalmente situadas, quanto mais não seja porque nenhuma delas destronou completamente a outra. Ainda hoje usamos a metáfora do geocentrismo quando olhamos para uma carta celeste, a metáfora da relatividade de Einstein quando queremos sincronizar os relógios dos satélites com os relógios terrestres, a metáfora da mecânica quântica quando queremos por referido relógios em comunicação digital, e claro que é a metáfora da mecânica newtoniana que nos guia na colocação dos satélites em órbita. As teorias foram substituídas em consequência das alterações da perceção humana do real e, ao contrário do que alguns apregoam, o século XX tornou a Física numa ciência pós-paradigmática.
Na segunda metade do século XX, fruto do desenvolvimento científico e do estranho mundo que a relatividade e a mecânica quântica desvendavam, foi-se materializando a ideia de uma perspetiva holística em que as entidades aparentemente independentes no contexto da mecânica clássica surgem como perturbações interligadas e interdependentes; vórtices num contínuo fluxo do espaço-tempo unificado por Albert Einstein. Esta necessidade de olhar os sistemas como um todo foi rapidamente apropriada por diversas áreas científicas e em particular as ciências da Terra, que olham agora o planeta como uma entidade una, ainda que incompleta (entre outras razões porque a energia que permite a dinâmica deste sistema provém de uma fonte exterior, o Sol). É no prosseguimento desta visão global e holística que reclamamos a extensão do reconhecimento do valor intrínseco — atribuído, no contexto do positivismo da modernidade, somente a (alguns) humanos — a animais e ecossistemas; mas também à singularidade da montanha e do deserto, da floresta e do oceano, do Sol e das estrelas; este é, na minha perspetiva, o caminho a seguir.
A compreensão de interdependência global permite o despertar da consciência e da empatia universal e, em consequência, da valorização intrínseca do mundo humano e não-humano, que, estamos agora conscientes, não são meras coisas a explorar, mas parte integrante do nosso ser. A adoção de estilos de vida miméticos dos ciclos naturais, o desenvolvimento de técnicas e tecnologias que possibilitem uma relação simbiótica entre pessoas, animais e natureza, o desenvolvimento de um sistema económico e o abandono do sistema crematístico são mais do que necessidades de uma biosfera em colapso: são um imperativo que resulta da mudança da perceção que temos do mundo.
Esta forma de olhar e valorizar o mundo não se compadece com as velhas dicotomias políticas esquerda/direita ou comunismo/capitalismo, ou com as ainda mais velhas dicotomias ontológicas homem/natureza ou vivo/inanimado. O antropocentrismo a que todas elas estão sujeitas coloca-as no domínio das mundividências com interesse histórico e com pouco interesse social. Podemos (e devemos), sempre conscientes de que são uma perceção obsoleta, usar algumas das ideias e conceitos que aí residem para elaborar cartas celestes que nos guiem na construção das novas perceções que a nossa época reclama, mantendo sempre viva a ideia de que, também as novas, não passam de perceções histórica e culturalmente situadas.
Uma reflexão atenta sobre o mundo leva-nos necessariamente à conclusão de que a riqueza é produzida não só pelos humanos, mas por todos os sistemas do planeta; de facto, as riquezas fundamentais só podem ser produzidas pelos ecossistemas: a riqueza da água com qualidade que permita o florescimento da vida, de uma atmosfera limpa, de alimentos saudáveis e tudo o mais de que precisamos para que a oikos onde estamos nos proporcione uma vida com qualidade e tempo para a comunidade. Não se trata de atribuir uma valorização instrumentalista ao mundo natural, mas antes a construção da perceção de que não somos donos desse mundo, somos seus constituintes; criar a consciência de que a Ciência, a Arte ou a Filosofia não são tentativas de tornar o mundo inteligível e dominável aos olhos e mãos humanas, mas ensaios de um mundo que busca compreender-se a si mesmo.
O paradigma que emerge é o da diversidade: o poliparadigma cuja linha orientadora é a totalidade, o ὂλος (translit.: holos) da existência. Mais uma vez plagio (como se fosse possível plagiar no mundo uno) a ideia do mundo natural; da mesma forma que a biodiversidade simbiótica garante a resiliência de um ecossistema e que a ecodiversidade simbiótica garante a resiliência do planeta, são também as diversidades de ideias e práticas humanas simbiontes que poderão garantir a resiliência de sociedades e economias.
É talvez pertinente sublinhar a importância da simbiose no processo de evolução e desenvolvimento (não crescimento) social. Também aqui nos socorremos do mundo não-humano, desta vez da história da vida na Terra. O que as teorias científicas (perceções construídas em contextos culturais e históricos específicos) do século XX nos ensinaram é que a colaboração simbiótica é o cerne da evolução para um novo estádio organizativo mais complexo que o anterior. Cada um destes estádios organizativos dá origem a novos sistemas com propriedades emergentes distintas das dos seus componentes isolados. Um exemplo elementar é a relação simbiótica entre um átomo de oxigénio e dois átomos de hidrogénio que dá origem a uma molécula de água. O sistema composto é, nas condições em que existe, mais estável que os seus átomos separados. Entretanto, as propriedades desta nova substância nada têm a ver com as dos átomos que a constituem. Os exemplos sucedem-se na escala organizativa, não num processo linear, mas numa complexidade e diversidade de formas quase infinita. O mesmo se passa com os organismos vivos: mitocôndrias e cloroplastos, outrora estruturas independentes, aprenderam a colaborar com as células que são o seu oikos e desenvolveram uma economia dos recursos que resulta numa relação de ganho-ganho. As células organizam-se em tecidos, estes em órgãos e estes em seres de uma determinada espécie que colaboram com outras espécies formando ecossistemas que são suporte de vida dos planetas (pelo menos deste planeta). Os conceitos de organismo e ecossistema (con)fundem-se e tornam-se mais numa perspetiva que depende do lugar do que um conceito objetivo e claro com correspondentes inequívocos no real. Enquanto para o animal a célula é um dos seus constituintes, para a mitocôndria é o seu habitat, inserida num ecossistema mais abrangente que é o próprio animal. Da mesma forma, na perspetiva do humano o lugar onde vive insere-se num ecossistema, e na perspetiva da Terra o humano é um dos seus constituintes (ainda que nos últimos tempos dos menos simbióticos). Tudo é, simultaneamente, constituinte e constituído numa organização simbionte.
É nesta ideia que reside a importância da promoção da relação de simbiose entre os humanos e dos humanos com o mundo não-humano; à semelhança dos isomorfismos que a modernidade estabeleceu entre as teorias do mundo não-humano e a organização social, também a pós-modernidade o pode e deve fazer. Não quero com isto dizer que as ciências sociais se devam subordinar às mundividências construídas pelas ciências naturais; a diversidade paradigmática das ciências sociais é tão interessante como a que referi no contexto da física e igualmente situada num determinado contexto histórico e cultural; contudo, parece-me que é através da promiscuidade dos saberes que se fecunda a verdadeira riqueza epistémica e, por isso, a luxúria da partilha do conhecimento tem tanto de útil como de desejável. A reflexão que fiz nas últimas linhas procura denotar o caráter de estruturas emergentes que são as sociedades: emergem da organização humana e, porque os humanos são sistemas naturais, também as sociedades o são. Nestes tempos de visões holísticas, onde os saberes se interpenetram, poderá perguntar-se qual o sentido de continuar a adjetivar as ciências de naturais ou sociais?
Voltando ao cerne da discussão, se fui buscar inspiração à simbiose do mundo natural, é também na sua diversidade que a consigo encontrar; de facto, só pode haver simbiose se houver diversidade; o que têm dois iguais a partilhar? A sociedade global que estamos a construir quer-se resiliente e, por isso, diversa. Precisamos tanto de soluções locais miméticas e simbióticas do mundo não-humano como de propostas globais com características idênticas. Precisamos de ideias e tecnologias distintas para que as comunidades locais criem autonomia e resiliência, mas também de ideias e tecnologias globais que permitam organizar e planificar o presente e o futuro. Com uma grande fração da população a viver em grandes centros urbanos, e dada a impossibilidade de deslocar essas populações para zonas rurais, também é necessário conceber soluções que permitam a gestão destes aglomerados humanos. E qual a melhor forma de conseguir a diversidade necessária aos diversos níveis?
Do meu ponto de vista, é através da construção de uma democracia radical global. Uma democracia onde cada cidadão deste planeta, olhando o mundo na sua plenitude e respeitando e reconhecendo o valor intrínseco de pessoas, animais e natureza, exerça a sua cidadania de forma consciente, ativa e positiva. Para isso apenas precisamos de aproveitar o que já temos; o que, numa primeira perspetiva, poderá parecer um problema — mais de sete mil milhões de cérebros para conceber e 14 mil milhões de mãos para materializar. É verdade... a matéria-prima já existe e, neste momento, constitui um problema porque não lhe é permitido assumir o controlo e destino das suas próprias vidas particulares e globais. Os seus papéis são ditados por um mercado tirano e crematístico insensível às suas necessidades. Milhões de pessoas são confinadas à ignorância e à pobreza e vistas como um problema em vez de um possível contributo para a solução. É necessário munir as pessoas das ferramentas intelectuais fundamentais, que permitam o desenvolvimento de uma visão crítica do mundo e de si mesmas. Como referiu Isaac Asimov, se o conhecimento gerou problemas, não é com a ignorância que os vamos resolver. Se permitido me for usar a metáfora de Pierre Bourdieu, não será grande o capital financeiro a investir para que cada cidadão deste planeta possa incrementar o seu capital cultural a um nível que lhe permita encetar, de forma irreversível, um processo emancipatório aos níveis intelectual e social. E por cada cidadão educado, por cada cidadão emancipado, teremos mais um cidadão a exercer a sua cidadania, um agente democratizando de forma radical a sociedade global. Este é o único capital que é preciso fazer crescer na sociedade que estamos a construir; o resto são somente recursos que devem ser utilizados tendo em conta os processos cíclicos do planeta.
A palavra “crise”, em chinês mandarim, é representada por dois ideogramas: 危機 (translit.: wēijī ou wei-chi); o primeiro, wēi, significa “perigo” e o segundo, , “oportunidade”, segundo alguns linguistas, e “ponto crucial”, segundo outros; como não estou a discutir linguística, permito-me a liberdade de uma interpretação livre de jī como ponto crucial onde pode surgir a oportunidade. Um período de crise é, sem dúvida, um período de perigo; um vórtice no fluxo espacio-temporal, que, perturbado por ventos de mudança, busca um novo estado de equilíbrio. A nós, constituintes e agentes deste ponto crucial, cabe-nos, sem sebastianismos e munidos das novas ferramentas de perceção que temos vindo a construir no último século, arregaçar as mangas e aproveitar a oportunidade para construir um mundo melhor, um mundo pelo bem de tudo e de todos — pessoas, animais e natureza.

Créditos
Foto: Opening the door, por Laura Billings (Flickr).

2012-08-05

Ética universal, ética integral, ética da compaixão - Parte II

Artigo de opinião de Daniela Velho
Jurista e Membro do Conselho de Jurisdição Nacional do PAN

Leia aqui a parte I deste artigo.


Abordagem holística da questão humanitária, animal e ecológica
Parece cada vez mais incontornável a necessidade de o homem se ver a si próprio como um habitante deste planeta e deste cosmos a par de tantos outros que dele se distinguem (pelo menos ao nível mais grosseiro da nossa perceção) mas onde todos merecem um respeito e um reconhecimento de dignidade que transcende as fronteiras da espécie e dir-se-ia mesmo quaisquer fronteiras que sejam fruto da atribuição de um valor, que não é atribuível porque é inato, em função de um qualquer parâmetro de aferição de valores arquitetado à escala humana.
A visão que temos do mundo e dos seres deverá privilegiar a perspetiva da universalidade daquilo que é comum a todos e não da especificidade das características do homem.
É assim indispensável que tenhamos uma visão integrada e uma consciência da interdependência de tudo, reconhecendo a existência de um valor inerente das coisas, que subsiste por si e em si independentemente do entendimento que dele possamos ter.
Resta-nos pugnar pela necessidade de uma abordagem holística das questões humanitárias, animais e ecológicas em que a sustentação e preservação do habitat natural se mostra do interesse de todos e onde o homem reconhecendo a sacralidade de toda a vida com a qual mantem uma ligação de interdependência, busca harmonizar-se com a natureza e com os animais não-humanos numa relação de aceitação, respeito e cooperação.
Assim, e em termos práticos, já não é possível manter apartados movimentos que lutam por estas causas essenciais, mas que muitas vezes se autocondenam quando optam por ocupar campos de batalha parcelares num combate que é necessariamente global porque tudo quanto existe coexiste, tudo quanto vive convive em interdependência, jamais separado do que quer que seja.
Parece-nos então que, por exemplo, não se poderá lutar pela diminuição do aquecimento global, pelas florestas, rios e oceanos, pela perda da biodiversidade e da vida selvagem, se não se lutar simultaneamente pela dignidade dos animais humanos e dos não-humanos, porque o que está realmente em causa, se dermos oportunidade a nós próprios de olhar para esta realidade de uma forma integrada, é o futuro do Planeta com todos os elementos que o compõem!
No que toca à consideração que nos deve merecer a causa animal, não falamos apenas da necessidade impreterível e inadiável de suster as consequências altamente devastadoras que, por exemplo, a pesca ou produção agropecuária brutalmente intensiva, têm para a sobrevivência desta casa que tão compassivamente nos acolhe… falamos acima de tudo no respeito, apreço e estima que nos merecem os nossos irmãos não humanos que connosco partilham os mais belos dons que a natureza generosamente distribuiu, certamente na expectativa que os soubéssemos acolher e gratificar de uma forma que nos honrasse e nunca que nos deixássemos dominar, porque detentores do monopólio da força e do poder, por aquilo que de mais brutal e predatório existe em nós.

Espiritualidade ética baseada na compaixão
Por último não se pode deixar de sublinhar que não existe razão maior do que a razão do coração. E essa, só ao homem cabe desenvolver!
Neste sentido e sem pretender subalternizar a importância de outras formas de luta que visem a indispensável mudança das mentalidades por um mundo melhor e que devem ser geridas adequada e concertadamente, destacamos a tão preciosa mudança interior pela qual temos necessariamente que passar, acreditando que ainda é possível mudarmos o mundo, na consciência de que a mudança só em nós pode começar.
A nossa sociedade tecnológica e materialista não é capaz de dar uma resposta às dúvidas e questões éticas que cada vez com mais frequência se colocam ao nível do comportamento humano perante o outro.

Em resposta a esta grave carência da sociedade moderna assiste-se atualmente, a um revisitar de valores distinguidos e enaltecidos em antigas religiões e filosofias do mundo que nos ajudam a redescobrir aquilo que de mais essencial e profundo existe em nós.
Por contraposição ao ruído frenético e muitas vezes exasperante quase sempre presente nas nossas vidas, o homem busca e reconhece a importância da existência de espaços de silêncio onde possa usufruir, finalmente, da companhia de si próprio e do redescobrimento da sua verdadeira natureza.
A possibilidade de pacificação e tranquilização deste “estrondo” mental constante que esvazia as nossas vidas de sentido, surge-nos como a resposta que há tanto tempo buscávamos sem sucesso nos mais variados “sítios” com as suas impossíveis promessas de concretização de sonhos que jamais o poderão ser pela busca exterior, na medida em que todas as verdadeiras respostas vivem apenas em nós.
A obstrução da nossa capacidade de pensar e de agir de forma compassiva, ponderada e serena é um dos maiores males com que convivemos nos nossos dias e de consequências indescritíveis para tudo o que connosco interage.
A adoção de comportamentos automatizados e insensibilizados por parte do homem condena não só o próprio homem, como os animais e a natureza à extinção. Possuidores de tão grande poder de decisão sobre o próprio futuro e sobre o futuro do outro, está-nos eticamente vedada a possibilidade de nos desresponsabilizarmos perante os atos mecanizados, cruéis e destrutivos que todos os dias praticamos, nomeadamente quando decidimos o que comemos e bebemos, como nos vestimos e calçamos, como nos entretemos, como trabalhamos, como ganhamos e qual o uso que damos ao dinheiro que ganhamos, que tipo de produtos utilizamos e, enfim, qual o papel que decidimos interpretar, através de todas as escolhas que fazemos, no palco do mundo.
O período de metamorfose e transmutação dos valores e princípios éticos que vivemos nos nossos dias não pode ser apartado da transformação interior de que estamos a ser protagonistas e que parece vir na senda do fim de um certo receio em assumir a importância da espiritualidade nas nossas vidas e em cujo desenvolvimento estamos cada vez mais empenhados em apostar.
Só o fruto desse desenvolvimento espiritual - uma compaixão universal que não é mais do que o reconhecimento de que nada existe separado e que tudo é interdependente – pode conduzir à transformação que tão ardentemente almejamos para nós e para o mundo.

Créditos
Foto: Chihuli blown glass chandelier, por Steve Wall (Flickr).

2012-07-30

Ética universal, ética integral, ética da compaixão - Parte I

Artigo de opinião de Daniela Velho
Jurista e Membro do Conselho de Jurisdição Nacional do PAN



Mudança de paradigmas – Transcender o radicalismo antropocêntrico

A forma como, em geral, se encara a questão da relação dos homens com os animais não humanos e com a natureza é fruto de visões políticas, filosóficas e religiosas decisivas que se foram impondo ao longo da história e encontramo-nos, nos dias de hoje, assim como nos encontrámos no passado, limitados pela influência e impacto que as mesmas têm, ainda que de forma não explícita, na nossa vivência quotidiana. 
Apesar da ideia relativamente generalizada de que o homem é superior a todos os restantes seres porque provido de uma racionalidade única e, como tal, possuidor do direito de dispor de uma forma (relativamente) livre de tudo quanto existe, na perspetiva de que o que existe é para o servir, é inegável que as preocupações quer ecológicas quer pelo estatuto dos animais têm crescido exponencialmente e provocado nos últimos tempos debates cada vez mais acesos e emotivos.
Assim, se por um lado assistimos nos dias de hoje a uma exploração cruel e sem precedentes dos animais e da natureza, fruto de uma sociedade de consumo cada vez mais exigente, impiedosa e voraz, assistimos, por outro, a um positivo e frutuoso florescer de uma certa preocupação ética que se vai impondo paulatinamente mas, crê-se, de forma irreversível.
Torna-se cada vez mais evidente a importância de transcender o radicalismo antropocêntrico centrado em paradigmas de superioridade da espécie, autonomia e razão triunfante que ainda governa as nossas visões do mundo e onde a bioética, enquanto ciência transdisciplinar e dinâmica em busca de novas abordagens éticas para as questões da humanidade (que são cada vez mais as questões de tudo e todos) tem o papel decisivo e pioneiro de desbravar o terreno onde renovadas, frutuosas e inspiradoras ideias possam referenciar o comportamento do homem perante os seus semelhantes, numa nova, inclusiva, não discriminadora e abrangente relação de humanidade.
Nestes tempos de mudança assiste-se ao aumento da consciencialização sobre a crise global instalada que é fruto das crises humana, ecológica e animal, todas elas dialogantes e interdependentes e ao emergir de uma revolução de paradigmas com a imposição de novos modelos de pendor mais relativista que respondem às novas exigências éticas de comunidades cada vez mais informadas, esclarecidas, cooperantes, solidárias e compassivas, de novos hábitos e fortes convicções e que integram esta nova dinâmica evolutiva tão aberta e consciente quanto inevitável e irreversível.

Reformulação de princípios e deveres éticos e jurídicos na questão animal

Mais do que nunca se impõe uma reformulação dos princípios e deveres éticos e jurídicos que se adeque a uma nova inteligência civilizacional e que é acompanhada e promovida por um debate intenso e vibrante sobre o tratamento ético das restantes formas de vida que connosco partilham o espaço planetário.
No que toca à situação específica dos animais assiste-se também a um florescimento dos estudos dedicados à causa, que propõem diferentes abordagens quanto à necessidade, âmbito e amplitude da consideração do estatuto moral ou jurídico do animal e que têm tido uma importância decisiva para a abertura e ampliação da discussão sobre o tema e para a sua inclusão no quadro das modernas preocupações éticas.
Contudo, de uma certa perspetiva, os esforços feitos por alguns dos pensadores nesta área, de particularização e construção de complexos e sofisticados modelos de pensamento, que visam justificar (ou não) uma atitude mais ética do homem em relação ao animal parecem limitar uma compreensão integrada da realidade contribuindo muitas vezes para tornar mais sofisticada a nossa ignorância sobre a riqueza desse mundo fenomenológico que, entende-se, não poderá ser compreendido se abordado de uma forma particularizada.
Nesse sentido cabe questionar se as tão proclamadas qualidades distintivas do homem, de reflexão e autoconsciência, não constituirão verdadeiros obstáculos ao conhecimento sobre a essência das coisas, quando desvirtuadas da forma como aparentemente o são na construção de aparatosos e soberbos modelos que pensamento que parecem afastar-nos cada vez mais da nossa preciosa e essencial animalidade e consequente compreensão natural e instintiva do mundo.

Perspetiva antropomórfica no tratamento da questão animal – Especismo entre espécies – e inefabilidade

Torna-se, ainda, crucial que não esqueçamos algumas das nossas mais óbvias limitações no que toca à perceção do mundo do qual somos parte integrante. 
Assim, além da já referida influência antropocêntrica que domina, em geral, o nosso modo de pensar o mundo (o homem no centro de tudo, tudo existindo para o servir) deveremos também ter uma especial preocupação com as tendências antropomórficas no tratamento da questão animal.
Mesmo no âmbito da defesa da causa animal é muito frequente que nos deixemos apanhar na teia das construções antropomórficas, abrindo a nossa empatia apenas aos seres que connosco parecem partilhar de forma mais inequívoca algumas das características que mais admiramos em nós próprios. E, por isso, lutamos para englobá-los numa esfera de moralidade e juridicidade que determinamos não ser extensível a outros seres com características distintas.
Como se a magnificência dos animais pudesse alguma vez estar subordinada à sua verossimilhança com a condição humana ou, dito por outras palavras, como se os seres vivos fossem mais dignos de consideração quanto mais se aproximassem das formas de vida tradicionalmente consideradas “superiores”, neste caso a nossa!
Essa será, de uma certa perspetiva, mais uma forma de arrogância especista, embora feita não já entre homens e outras espécies mas entre diferentes espécies. 
Caberá nestes casos perguntar como podemos nós de uma forma sensata e intelectualmente honesta continuar a pensar e a agir como se ocupássemos o topo da “Cadeia do Ser” num mundo de incontáveis miríades de seres viventes, cujo conhecimento e compreensão não podemos sequer almejar alcançar se olharmos de uma forma franca para as inúmeras limitações de que somos portadores na nossa condição de seres humanos.
Apresenta-se como um imperativo ético não fazer depender a integração dos seres num espaço moral que lhes propicie o direito ao atendimento dos seus interesses, da constatação e comprovação inilidível do grau de sofisticação dos seus estados de consciência. 
Por um lado, porque como acima se referiu isso significaria utilizarmos a condição humana como parâmetro para aferição do grau de consideração a dispensar aos restantes seres, o que se mostra necessariamente limitado. Por outro lado, qualquer tentativa que se faça de compreensão desses estados de consciência tem necessariamente uma natureza frágil e transitória que deverá ser aberta à problematização, refutação e reformulação. O conhecimento humano está em constante transformação e é indispensável contarmos com as nossas inevitáveis limitações cognitivas no conhecimento integral dos fenómenos que com toda a probabilidade escapará mesmo às nossas mais empenhadas e diligentes tentativas.
A este respeito considera-se que cometeremos um erro grosseiro se pretendermos alcançar todo o significado ou conteúdo da consciência do outro, seja ele que outro for, esquecendo os muitos filtros mentais, emocionais e sensoriais que possuímos, não só os comuns à nossa espécie como os nossos próprios enquanto indivíduos. Ou seja, pode, com toda a probabilidade, não ser possível descrever o mundo visto pelos olhos de um animal não só por impossibilidade nossa de o apreender em toda a sua significação como também por eventual impossibilidade de o descrever ainda que pudesse ser por nós apreendido.



Créditos
Foto: Fabulous fluid floral flairs, por Steve Wall (Flickr).

2012-07-27

Turistas britânicos alimentam comércio ilegal de elefantes entre Burma e Tailândia

Elefante bebé a ser torturado por um trabalhador
UK tourists fuelling brutal live elephant trade between Burma & Thailand é o nome de uma reportagem publicada pelo The Ecologist na passada segunda-feira. A realidade é arrepiante. Além dos problemas ambientais que a captura de animais selvagens tem, o tratamento a que estes animais são sujeitos é brutal e cruel. É triste (tão triste) que um só indivíduo de uma espécie, que partilha connosco o o hábito do culto dos seus mortos, seja, sem quaisquer escrúpulos, objetificado e instrumentalizado para dar uns minutos de prazer a uns e umas míseras moedas a outros.
Precisamos aprender a olhar com maior empatia os nossos irmãos não humanos.
Deixo aqui o vídeo que é chocante; a notícia completa, não menos chocante, pode ser consultada aqui.


Créditos

2012-07-22

A Declaração de Cambridge sobre a Consciência*


A Declaração de Cambridge sobre a Consciência

Neste dia de 7 de Julho de 2012, um proeminente grupo de neurocientistas cognitivos, neurofarmacologistas, neurofisiologistas e neurocientistas computacionais reuniram-se na Universidade de Cambridgre para reavaliar os substratos neurobiológicos da experiência da consciência e comportamentos relacionados, em animais humanos e não-humanos. Ainda que a investigação comparativa neste domínio é naturalmente dificultada pela incapacidade de animais não-humanos, e frequentemente humanos, para clara e prontamente comunicarem acerca dos seus estados internos, as seguintes observações podem ser feitas inequivocamente:
  • O campo da investigação sobre a Consciência está a evoluir rapidamente. Novas técnicas e estratégias de investigação para animais humanos e não-humanos foram desenvolvidas em número abundante. Consequentemente, um maior número de dados é disponibilizado com mais facilidade, o que obriga a uma reavaliação periódica de preconceções que persistem neste campo. Estudos de animais não-humanos mostraram circuitos cerebrais homólogos correlacionados com a experiência e a perceção da consciência podem ser seletivamente acedidas e manipuladas para compreender se são de facto necessários à referida experiência. Além disso, novas técnicas não invasivas estão já disponíveis para mapear os correlativos da consciência nos humanos.

2012-07-13

Terráqueos — Earthlings

EARTHLINGS é o mais poderoso e informativo documentário sobre o trágico e imperdoável uso de animais não humanos. Narrado por Joaquin Phoenix e com banda sonora de Moby o filme foi realizado por Shaun Monson, este documentário da Nação Terra foi vencedor de diversos prémios e é obrigatório para uqalquer pessoa que se preocupe com os animais não humanos ou deseje tornar o mundo num local melhor para todos.
Para legendas em pt_PT coloque o cursor sobre o filme e clique no botão vermelho com as letras [CC].


2012-07-11

Comportamento moral em animais

Empatia, cooperação, justiça e recirpocidade — preocupar-se com o bem-estar dos outros parece uma característica muito humana; contudo, Frans de Wall partilha connosco alguns vídeos surpreendentes de testes comportamentais em primatas e outros mamíferos que evidenciam que muitas destas características morais são partilhadas com animais não humanos.



Dr. Frans BM de Waal um biólogo e primatólogo conhecido por seu trabalho sobre o comportamento e inteligência social dos primatas. O seu primeiro livro, Chimpazee Politics (1982), comparou a conversas  informais e as maquinações dos chimpanzés envolvidos em lutas de poder com a de políticos humanos. Desde então, de Waal traçou paralelismos entre o comportamento dos primatas não humanos e dos primatas humanos, como o estabelecimento de tréguas  e a moralidade até à cultura. Seu trabalho científico foi publicado em centenas de artigos técnicos em revistas como Science, Nature, Scientific American, e os outras publicações especializadas em comportamento animal. Os seus conhecidos livros — traduzidos para quinze línguas — fizeram dele um dos primatólogos mais relevantes do mundo. Os seus dois últimos livros são nosso Our Inner Ape (2005, Riverhead) e The Age of Empathy (2009, Harmony).


2012-05-31

Entrevista com Jonathan Safran Foer

Jonathan Safran Foer é o autor do livro "Comer Animais" publicado em Portugal pela Bertrand. Numa entrevista dada ao The Ecologist em Janeiro de 2011, Foer refere diversos pontos cruciais na relação que existe entre os nossos hábitos alimentares e a degradação ambiental. O autor, à semelhança do que afirma no seu livro, fundamenta a sua crítica ao consumo de carne no sofrimento infligido a 50 mil milhões de animais que são criados pela indústria pecuária e nas consequências para o ambiente dado que a industria pecuária é a principal causa da emissão de gases com efeito estufa e ultrapassa largamente a quantidade de gases emitidos anualmente por todos os meios de transporte do mundo, incluindo os aéreos. Além disso, o uso desregrado de antibióticos na pecuária intensiva torna-os menos efetivos em situações onde o seu uso é imprescindível.